Série: Por que jogamos games de bad?

Capítulo 1

Dos prazeres e emoções do jogo

Olá queridos homo sapiens, faz tempo que não conversamos. Hoje, gostaria de dissertar sobre um tema que há tempos venho questionando. Por que jogamos games de bad?

Esse artigo de opinião que vos escrevo será dividido em seis capítulos e postarei um por semana, toda quarta. Espero que gostem.

Por todo lugar que transitamos no universo da cultura Pop ouvimos de jogadores a streamers, de desenvolvedores a jornalistas, uma máxima, uma verdade inquestionável…

“jogo é diversão” ou “ jogos tem que ser divertidos”.

Essa verdade inquietante me perturba e me põe a questionar. Se a função básica, intrínseca e única de um videogame é diversão, por que nós jogamos jogos de bad? Que diversão se encontra em um jogo que te faz experimentar tristeza?

Não apenas tristeza, também pode ser suspense, medo, agonia, reflexão. Embora muitos dos jogos que tenham alguns desses atributos também tenham diversão imbuída dentro de si, isso não é uma regra e pasmem, muitos desses jogos obtiveram sucesso de crítica, comercial e social.

Foto: Alexey Savchenko

Precisamos discriminar algo muito enraizado e que corrompe a comunidade com a sua imposição. Temos que falar da exigência quase compulsória de que jogos tem que ser divertidos para terem valor. Vou chamar esse fenômeno de a “ditadura da diversão”, é um nome um pouco dramático, mas efetivo.

Jogos, assim como qualquer artigo da cultura pop representam a sociedade, sua construção e sua cultura. Por isso, faz sentido todas as emoções estarem presentes a serem experimentadas, porém, quase como um hino a necessidade de um jogo ser divertido é inquestionável a ideologia gamer. Essa é a palavra chave, EMOÇÃO. Jogo é emoção, bem não ele em si, mas os sentimentos que eles despertam ou os resultados de sua atividade são.

Diversão é uma emoção dentre muitas outras que vivemos e que está intimamente relacionada com o prazer, porém, no entanto, todavia ela não é a única que está relacionada ao prazer, é apenas a mais direta e mais simples.

Digo mais, O prazer descrito em muitos jogos não está relacionado com a diversão, mas por falta de análise os chamamos assim e muitas vezes sentimos uma frustração. Principalmente vinda de novas pessoas que tentam ingressar na comunidade mas que não assimilam como diversão a mesma coisa que o gamer padrão assimila.

Para fim desse raciocínio gostaria de mudar a máxima que diz “jogo é diversão” para “jogo é entretenimento”. Que é um termo mais amplo e que as pessoas estão mais dispostas a implementarem novos sentimentos.

mas o que é diversão?

Segundo o dicionário Michaelis, divertir é:

Divertir

1 Desviar a atenção (de alguém ou a própria) de algo; distrair(-se).

2 Fazer esquecer; fazer perder o hábito; desabituar.

3 Entreter(-se) com diversão ou brincadeiras; distrair(-se), recrear(-se).

4 Rir ou fazer alguém rir; alegrar(-se).

Diversão está entrelaçado com distração, ou seja, o abandono da realidade por uma instância de tempo. Mas isso pode também ser compreendido como qualquer atividade que não tenha um objetivo prático e de necessidade, como: ver filme, ler livro, jogar papo fora, ficar rolando a timeline da rede social e muitos outros.

Reprodução: Film Daily

Rir e alegria, esses sim podemos dizer que são sentimentos facilmente atribuídos a diversão não é mesmo? A leveza, o relaxamento são sentimentos que descontraem e podem nos prover com certa alegria.

O espectro das emoções é muito complexo e não tenho intenção em nenhum momento de alterar a realidade e a verdade. Até porque como concordei anteriormente, diversão é sim uma emoção presente no ato de jogar, no entanto não é a única, e eu quero falar de todas essas outras.

Como última instância antes de entrarmos no tema principal, o que seria uma crítica social de games se não tivesse um pouco da análise de classe e sistema não é mesmo?

Falei anteriormente de forma dramática de ditadura da diversão, correto? A ditadura vem da concepção que esse status da comunidade estaria beneficiando alguém. Falei também sobre diversão:

“…ela não é a única que está relacionada ao prazer, é apenas a mais direta e mais simples.”

Logo essa ditadura da diversão se encontra vigente e construída, pois no final do dia, diversão é fácil de vender. Falar que um jogo é divertido e que não tem debate político, como Far Cry e Call of Duty tem tanto sucesso em alegar, é um posicionamento preferível ao mercado pois conflito e divergências ideológicas podem radicalmente afetar vendas. Afinal, se você tem uma ideologia e o jogo relata uma realidade diferente da que você acredita, o número de vendas caem.

Vender apenas diversão e vender o desejo dessa diversão passa a ser adotado pelo significado de distrair. Esquecer a vida, realidade e injustiça é uma maneira simples de fazer dinheiro. Uma maneira inclusive bem antiga que data até antes nos espetáculos do coliseu em Roma para distrair a população das consequências políticas imbuídas a eles.

Vender reflexão? afeta a venda por ideologia.

Vender tristeza? não nos retira da realidade o bastante.

Vender satisfação e realização? Parece trabalhoso demais.

Vender medo? Consumido muito rápido.

Vender informação? Desde quando dar conhecimento a população foi uma boa ideia?

Foto: Alexander Andrews

Diversão vende como água, e os hormônios responsáveis por esse sentimento precisam se renovar de forma constante para manter o estado de euforia.

O mercado vai ser o mercado; agindo para ampliar e reproduzir o consumo sucessivamente e por isso se apropria da cultura (nesse caso jogos) para obter o seu lucro. Essa apropriação se estende a um mecanismo de marketing e publicitário inteiro que muito erroneamente chamamos de jornalismo de game. O qual é feito para perpetuar essa máquina.

No entanto, não tem como tirar o humano de algo produzido pela cultura humana. Jogos serão reflexivos, serão tristes, serão aterrorizantes, serão informativos, serão sociais e muitos outros sentimentos e tudo que o mercado pode fazer, é esvaziar o discurso e esvaziar o pensamento crítico, criando assim a comunidade gamer que temos hoje: desinformada, alienada, inconsequente e reativa.

Vamos ampliar o debate, vamos falar desses jogos, os jogos que nos fazem sentir, a totalidade humana.

Como funciona a emoção?

Como os jogos nos emocionam? essa é a pergunta de milhões. Como provocar uma reação emotiva no jogador, uma conexão fantasiosa o suficiente para ser dissociada da vida, porém, de identificação individual e social de forma que o psicológico consiga relacionar isso a um sentimento real. Como criar sentimentos artificiais?

Milhares de estudiosos da ludologia escrevem sobre isso, “Como os jogos nos movem?” “O que é o impacto no jogo?”. Seria o impacto uma construção narrativa associada? Essa suposição colabora na teoria de evolução de jogo como evolução da mídia e com o amadurecimento da indústria jogos com narrativas complexas estarem ganhando mais foco e premiações.

Essa teoria é sonora e pode ser verossímil para uma grande parte do público, o grande porém é que ela não diferencia a experiência de jogar um jogo e assistir um filme, ou ler um livro. Então ela colabora para a afirmação que repetimos padrões e estamos em jogos, relendo livros e re-assistindo filmes.

Reprodução: Wired UK

Estamos indo de 0 a 80 km/h muito rápido. A possível controvérsia palpável disso está em nada mais, nada menos que a definição básica do jogo que o distingue de outras mídias. Enquanto leitura, cinema, TV e outros são atividades passivas, videogame é uma atividade ativa graças a grande revolução que ele produziu, a revolução do “input”.

Veja bem, no jogo fazemos as coisas acontecerem, o controle está literalmente em nossas mãos e isso gera o fator esforço, o fator que o gameplay é a síntese de “EU, EU fiz isso acontecer!”. Fazendo assim gameplay e narrativa duas metades de um todo, indivisível e codependentes.

Claro, podemos argumentar que em alguns jogos gameplay ganha um foco maior de narrativa e que em outros a recíproca é verdadeira. Invariavelmente, você precisa de um motivo para fazer algo e você também precisa de algo para se fazer. Independente, esse não é o ponto desse debate.

Os jogos ganham a capacidade de nos emocionar pois o “Eu, fiz isso. É comigo que isso tá acontecendo.” Está presente em todos os cantos, o que gera uma identificação pessoal e individual a algo que seria um artigo cultural. Não foi o personagem que o jogo assustou, foi você. Nem foi o personagem que teve que aprender algo para ir adiante, foi você. Não são os personagens que estão discutindo e fazendo escolhas políticas e morais com consequências, é você!

O game consegue nos emocionar pois não é na tela que ele acontece, ela é uma mensagem visual para o cérebro, que é onde o jogo realmente acontece.

 

Foto: Humphrey Muleba

É isso Homo Sapiens, essas foram as bases, os pilares instituídos para guiarmos esse debate que se perpetua por mais cinco capítulos. Embora discutir conceitos como entretenimento e emoção, ele não responde porque e como temos prazer pelos jogos das mais variadas emoções.

Em nossa discussão o palavra gênero ganha uma nova palheta, não são gêneros de mecânica e gameplay, são gêneros de emoções, e porque buscamos elas nos jogos. Selecionei cinco para servirem de base para essa hipótese.

Nessa ordem:

Capítulo 2: Tristeza

Capítulo 3: Medo

Capítulo 4: Reflexão

Capítulo 5: Tranquilidade

Capítulo 6: Realização.

Muito obrigado por ler e até semana que vem.