Série: Por que jogamos games de bad - Parte 5

Henry Lorenzatto

, Video Games

Olá meus Homo Sapiens! Como vocês estão? E quanto tempo faz que vocês respondem “bem” sem ser retórico? Hoje, vamos falar de um gênero que destoa dos anteriores, porém, é parte intrínseca deles e vou explicar por quê. Vamos seguir para os Jogos de tranquilidade.

Capítulo 5: Jogos de Tranquilidade

O que seria um jogo do gênero tranquilidade?

Sabe quando a vida pesa? Quando se sente tão sufocado que acompanhar a realidade e notícias começa a afetar a saúde mental e o espírito? Jogos de tranquilidade são jogos que nos fazem sentir bem, restauram a fé na humanidade, relaxam, motivam, trazem felicidade e euforia.

Tem dias que não estamos bem. Tem dias que não conseguimos ser a máquina de produção exigida constantemente pela sociedade. Tem dia que só queremos deitar em uma rede ao pôr do sol ou rir depois de fazer vários nadas.

Como a música do célebre Charlie Brown Jr já diz:

“Alguém te perguntou como é que foi seu dia?

Uma palavra amiga, uma notícia boa

Isso faz falta no dia a dia.”

Autoria: ConcernedApe

 

Mais uma vez, os jogos de tranquilidade são games que jogamos para nos sentir bem, todo mundo anseia e tem o direito de procurar sua paz de espírito, se sentir pleno…

…por isso resumidamente jogos de tranquilidade são aqueles que nos fazem sentir um quentinho no coração.

De todos os gêneros classificados por essa série, Tranquilidade é o único que já foi estabelecido anteriormente, ele ganhou o nome Wholesome. Inclusive se pesquisarmos na Steam por wholesome aparece as seguintes tags: Fofo, casual, relaxante, história rica, engraçado, atmosférico, exploração, colorido etc.

Wholesome

Wholesome game é uma comunidade que se iniciou no Twitter, quando o desenvolvedor Matthew Taylor começou a fazer uma curadoria de jogos com seus sentimentos de conforto, compaixão e aconchego.

Wholesome pode ser traduzido como saudável ou mais literalmente, “aquilo que preenche”.

A meta era mudar nosso pensamento de quais jogos seriam levados a sério. Retirando jogos sombrios, com temas que representam o lado mais miserável da vida e colocando no lugar jogos que enchem as pessoas de esperança com narrativas ricas, cor, arte e gameplay inovativo.

Um assunto que tanto eu quanto a curadoria do Wholesome concordamos é a existência da “Positividade Toxica”. A vida não é uma releitura do livro de autoajuda “O segredo” e também não é um podcast motivacional de coach.

Sentimentos negativos em toda a sua extensão precisam ser validados e trabalhados de uma forma ou outra.

Autoria: Devolver

Não somos uma máquina de produção, precisamos descansar. Da mesma forma que responsabilidade emocional consigo mesmo é necessário. Incentivos vazios que vendem a felicidade em um pote ou atitude são exatamente isso, vazios.

Logo, nunca confunda um jogo de tranquilidade com um antidepressivo, vamos falar da subjetividade mais na frente.

Outro ponto que concordamos seria que todo artigo de mídia é político. Por isso, consciência política é necessária vinda de jogos Wholesome para melhor desenvolver as relações e a qualidade de vidas das pessoas pelo ensinamento feito através da cultura.

Subjetividade

Sentimentos são subjetivos e o que isso significa? Isso significa que eu devia ter falado disso desde o capítulo dois do artigo e graças ao feedback vivo da galera pude dar a devida atenção a esse tema tão importante.

Pensa comigo, você conhece aquele amigo que fica rindo em filme de terror? Ou que sente ansiedade por estar no meio da calmaria? Acho que todos conhecem essas pessoas. Talvez você seja uma delas.

E o que isso significa? Significa que sentimentos não são escritos em pedras, são submetidos a vivências individuais, construções de moralidades e interesses diversos. Somos todos um produto do nosso contexto.

Autoria: Square-Enix

Logo, quero tomar esse tempo para falar que embora um jogo de tristeza tenha seu foco inicial em processar e trabalhar o sentimento em pessoas que estão deprimidas, assim ajudando a lidar e se auto conhecer, isso não significa que a pessoa que esteja experimentando tristeza vai absorver isso.

Algumas pessoas estão em um buraco tão escuro que é difícil de ver a ajuda em forma de esperança e superação que a história do jogo deseja passar. O locutor não pode garantir a reação do receptor e precisamos assumir essa responsabilidade.

Para algumas pessoas essas histórias se tornam apenas sobre a tristeza que tiveram que passar e vivenciar no jogo, e o bem que o jogo deveria fazer se torna uma arma.

O excesso de positividade em um jogo de tranquilidade também pode ser uma ilusão frágil de estabilidade. Não trabalhar sentimentos e afundar em sorrisos, tarefas e conquistas em jogos também é altamente perigoso.

Caso você, homo sapiens que estiver lendo tenha chegado a esse estágio da tristeza, converse com alguém, não precisa ser alguém profissional (embora eu recomende). Sabemos que o acesso a isso é um privilégio.

Conversa com alguém que você ame e que te ame. Você não é um estorvo e a sua realidade não precisa ser essa, você não precisa se sentir como se sente, não existe escolha no mundo que faça você merecedor de infelicidade. Seus amigos e família serão gratos se você se abrir com eles.

Caso em última instância não tenha com quem se abrir ligue para o número 188 do centro de valorização a vida.

Seguindo…

Muitos jogos, assim como tem uma classificação técnica mista como “RPG de ação e aventura open world puzzle com combate de fighting game”, quando são classificados por sentimentos, também tem múltiplas classificações.

Autoria: That Game Company

Hellblade poderia além de ser classificado com tristeza, também ficar como reflexivo. NieR além de reflexivo, pode ser considerado de tristeza. Night in The Woods assim como medo, pode ser pensado como Wholesome e por ai vai.

Embora eles tenham sentimentos primários, os secundários também são reais. Para complicar, o fator da individualidade é sujeito a momentos e percepção.

Uma pessoa que jogar Undertale em um momento, pode ter a percepção diferente do que se jogasse em outro. Construções sociais diferentes também vão produzir experiências diferentes.

Os curadores de Wholesome descartam jogos que tenham sentimentos secundários em contraste da classificação de jogos de tranquilidade. Minha hipótese é diferente, ela reside no ideal que só conhecemos a felicidade porque experimentamos a tristeza.

Autoria: Square-Enix

Aproveitar um jogo de tranquilidade não significa um constante estado de êxtase e impressionismo. Inclusive acredito que o puro sentimento de aconchego constante é igual a aconchego nenhum, pois estagnação é um sentimento de inércia.

Mas mesmo se for constante e momentâneo, como são os jogos de tranquilidade?

Aquele aconchego clássico

Games que por mecânica são definidos como builder, tem tradição de se enquadrarem em jogos de tranquilidade pelo seu viés não agressivo.

Historicamente jogos com o intuito inicial de destruição como jogos de luta, aventura, RPG onde se derrota algo para conseguir o final desejado entram em contraste muito grande com jogos que o objetivo é oposto.

Criar é diferente de destruir

Esse jogos são sobre construir algo, ser melhor, somar algo para a sociedade, como em Sim City ou para uma pessoa ou família como em Harvest Moon.

Jogos como Stardew Valley vão além. Ele produz um ambiente tão aconchegante e expansivo que raro é a ocasião que escutamos alguém falar mal desse jogo.

Autoria: ConcernedApe

É um clássico jogo de “fazendinha” feito em um pixel art encantador e pitoresco cheio de cor com uma população inteira vibrante.

Embora existam plots mais pesados como corporações tentarem se apropriar de comunidades rurais e alguns plots mais individuais que tratam de coisas como alcoolismo….

…É um jogo alegre e festivo onde em diversos momentos nos deleitamos com situações envolventes e simpáticas que fazem o jogador morrer de fofura. Como uma comunidade isolada consegue ser feliz e exalar essa felicidade é um dos palcos centrais.

O jogador pode sim apenas cuidar da sua fazenda, mas o envolvimento com os moradores e suas histórias fascinantes e cômicas integram uma parte vital do sentimento relaxante que o jogo te deixa.

Aquele aconchego sensorial

Alguns jogos falam muito sem dizer nada. Essa é a realidade de jogos como Journey, um jogo que não quer te contar uma história. Bem, ele quer, mas não do jeito tradicional da palavra.

A história não é focada no que acontece e sim uma narrativa dos sentimentos proporcionados. Não existe nenhuma fala no jogo.

Ele é um simulador com puzzles. Por que eu estou falando da categoria técnica? Justamente por isso, ele é um simulador de caminhada, sua própria definição já garante uma viagem emocional intencionada.

Sabe aquela frase “o importante não é o destino e sim a jornada”? journey é uma síntese desse sentimento em audiovisual. Com pequenas mudanças de música, fotografia e atmosfera ele consegue usar os mesmos elementos para mudar um terreno alegre e calmo em um sombrio e desolado.

Autoria: That Game Company

Eu sei o que está pensando, como que um lugar sombrio e enervante consegue ser tranquilo? Embora ele seja mais sereno do que tudo, existe sim a tensão descaracterizante. Mas a oscilação faz parte, o relaxamento mental que o jogo proporciona é como andar em uma praia ao entardecer.

No jogo, outra pessoa pode entrar para dividir a jornada e vocês não conseguem se comunicar verbalmente. Apenas usando notas musicais e assim, deixando a música guiar.

Um jogo onde o sentir é a comunicação e a jornada.

Às vezes a tranquilidade não é sobre o que se faz, o que se diz ou como termina. É como se sente e sobre ser permitido sentir tudo isso, para no final olhar para traz e ter uma memória gostosa. Seja nas coisas boas ou ruins.

Talvez o jogo não seja um simulador de caminhada e sim um simulador de vida.

Aquele aconchego inesperado

Quando Griss começa, instantaneamente sentimos uma leveza nas cores e em seu formato contado em uma narrativa muda. Sim, esse jogo guia-se completamente em seus belos cenários aquarelados apenas pelo som.

Sentimos a passagem de uma menina por alguns momentos de sua vida, porém, em todos os momentos de tensão do jogo vamos nos sentindo paralisados, como se estivéssemos segurando o folego embaixo d ‘água.

Sempre quando aperta a sensação, no ultimo minuto, encontramos um momento de fuga como se ela respirasse pela primeira vez.

Autoria: Devolver

No início não entendemos o que está acontecendo, e no final também não.

É uma narrativa pessoal, porém, após o termino do jogo nas conquistas descobrimos que cada adição de cor aquarela representa uma das cinco fases do luto. Todos os momentos que sentimos um alívio libertador no jogo era mais uma etapa superada.

Inesperado que um jogo sem nos contar e sem nos conceder o entendimento sobre o que ele é, consegue nos passar uma plenitude e uma clareza.

Isso nos faz pensar, será que realmente sabemos o que sentimos e o que precisamos? Será que muitos dos nossos problemas são mais o que sentimos e uma postura a esse sentimento do que algo material?

Como é possível se sentir bem e não conseguir explicar o por quê e nem o como?

Aquele aconchego emocionante

Crescer é um momento conturbado da vida, sentimentos novos, experiências novas e tudo com bastante intensidade. Assim somos apresentados ao mundo de Life Is Strange.

Uma cidade do interior litorânea que é a própria definição de good vibes em forma de folk americano, filtros analógicos e pôr do sol banhado por um flare de laranja dourado.

Aqui conhecemos Max e Chloe, duas adolescentes deslocadas. Uma rebelde e outra invisível e retraída. Até o momento que Max descobre que pode voltar no tempo, e o ensino médio nunca mais foi o mesmo.

Parece uma sinopse de mais um filme adolescente esquecível. Mas é muito mais. O jogo arrisca em uma trilha sonora relaxante e seu plot envolvente.

Autoria: Square-Enix

É um filme jogável, mas toda teoria da cor, composição fotográfica e gestalt são trabalhados de forma primorosa, a qual permite que o game esteja constantemente agradável a ser visto e consumido por pessoas.

O que importa é como a história nos emociona e absorve de modo que nos sentimos parte dela. Embora ela chegue a momentos tensos de aflição. Ela sempre volta a um respiro, um momento de calmaria em que o personagem olha para o ambiente e o contempla.

Quantas vezes a vida está desabando e paramos para contemplar os pássaros, o céu, ou a própria existência? Life Is Strange dá valor ao momento, ao agora e assim nos mostrando várias cenas de felicidade, satisfação, ternura e despreocupação.

Life is Strange mostra que ao voltar no tempo, tudo que temos é o agora. Não existe controle, somos sujeitos as desventuras que a vida nos impõe, mas que podemos controlar nossa reação diante da adversidade da vida.

Autoria: Square-Enix

Uma hora você pode estar em uma tempestade, ou se escondendo do guarda da escola, ou investigando um desaparecimento. Outras você está dançando com sua amiga no quarto. Nadando na piscina da escola em horário proibido ou lanchando na lanchonete com amigos.

O jogo é sobre aproveitar o momento enquanto você o tem, pois controle é uma ilusão e a realidade não é sua amiga. Então aproveite a felicidade que aparece, contemple a calmaria, pois pode acabar.

Trocadilho intencional, a vida é estranha, ela é maluca, ninguém sabe o que vai acontecer, então aproveite a viagem.

Aquele aconchego dos personagens

Se alguém um dia me dissessem que a Ubisoft seria a produtora de uma peça de tamanha qualidade quanto Child of Light, eu chamaria a pessoa de mentirosa.

Child of Light é um conto de fadas reescrito para contar a história do desenvolvimento de uma menina mimada e frágil em uma mulher forte e independente. Embora a inclusão feminina e empoderamento sejam assuntos que eu quero abordar…

…quer saber? Vou falar sim. Dá gosto e um quentinho no coração de ver o quão forte uma mulher pode ser e a consciência transformada em jogo disso é uma inspiração para todas as mulheres que querem se ver como protagonistas de suas vidas, além de ser um ensinamento para homens.

Autoria: Ubisoft

Jogos de tranquilidade são políticos e inclusão social é um sorriso que se abre ao sonho de equidade e justiça. Todos exalando sentimentos de satisfação e compaixão.

Mas voltando ao jogo. Ele é inteiro escrito em poema. Um mundo aquarelado vivo onde todas as falas são poemas que rimam. É um livro de criança animado, no entanto, mais interessante que isso são os personagens que se encontram na jornada.

Os encontros atípicos com os personagens do jogo são como: O mágico de Oz, Steven Universo, Scooby-doo ou qualquer grupo de desajustados que são uma junção improvável, inusitada, mas também encantadora, intrigante, fascinante e amável.

Todos os personagens não poderiam ser mais opostos que o outro. Um mago medroso que tem 10 anos, mas que tem a barba de um velho, uma palhaça que não sabe rimar, seu gêmeo palhaço triste, um rato ladino viciado em dinheiro, uma ogra meio sapo xamã. Sim, uma equipe improvável.

Ver essa equipe nos anima a ver como interagem, se entendem e se importam um com o outro. Ver seres tão diferentes assim e tão bem escritos vivendo em harmonia é esperança.

Apesar de o jogo ter sim várias qualidades fantásticas, junto com sua arte, música, história e protagonista, tem personagens que nos sentimos bem em procurar o felizes para sempre deles.

Autoria: Ubisoft

Cada gênero tinha um significado de superação. Em teoria esse é o momento em que eu falaria disso. Tristeza jogamos para sermos melhores, Medo jogamos para nos sentir vivos, Reflexivos jogamos para fazermos parte, e jogos de tranquilidade?

Jogamos jogos de tranquilidade para sermos aptos a fazer todos os de cima, pois temos que ser autorizados a descansar, sentir felicidade e a leveza. Precisamos de algo bom para a vida valer a pena. Nem tudo pode ser dificuldades ou pensamento crítico sobre um ponto o tempo todo.

Jogos de tranquilidade são o tempo que tiramos para deitarmos na rede e lembrarmos que somos humanos, e que ser humano também é sorrir e rir.