Por que eu gosto de Games ?!

Doença, vício, coisa de doente mental, infantil. Deve haver mais alguns insultos que nem lembro mais as quais fui chamado ou acusado de ter ou ser porque gosto de games. Talvez goste um tanto mais do que o padrão geral das pessoas considera saudável. Mas o detalhe é que, para mim, os games não são simplesmente “joguinhos”. São obras de arte genuínas e autênticas, não retirando jamais o mérito das outras. Para mim ele deve ser a 9ª ou 10ª arte, mas chutando um pouco a modéstia para longe, eu entendo que mentes obtusas não se abrem a novas propostas facilmente e que me julgarão como isso ou aquilo simplesmente porque a ignorância não as permite ver além de certo ponto. Não sei se isso é coisa da idade, mas espero sinceramente não me fechar tanto para o novo em minhas décadas finais de vida. Os games são algo um tanto novo na “escala evolucionária das artes” e dificilmente sua entrada neste rol da experiência humana seria algo tão simples e sem enfrentar resistência. Este texto vou falar sobre como, para mim, os games são uma forma de arte genuína e acredito que direta ou indiretamente eu esteja falando por muitos outros gamers.

Lúdico e Interativo

Os games nada devem em termos de complexidade ou qualidade a obras do cinema, dos quadrinhos, do teatro e até mesmo da literatura. O detalhe é que o game, enquanto arte, possui dois elementos muito difíceis de se adicionar as demais: a ludicidade e a interatividade. O lúdico tem a ver com o a jogabilidade, onde ele se torna divertido com seus elementos próprios como pontos, conquistas, domínio dos movimentos no tempo certo e afins. E por ser um jogo a interatividade é um elemento constante, afinal o herói nada fará se o jogador não movê-lo através dos acontecimentos assim como não existe um jogo de damas se não houver quem mova as peças. Salvo algumas exceções, como os livros-jogos, o elemento lúdico se faz raro nas demais formas de arte e é justamente isso que aproxima mais a população dos games do que da pintura por exemplo. O lúdico é um elemento muito apreciado pelo ser humano e por este motivo tem tanto apelo. Aliás, há apelo suficiente para levar ao vício e é este o elemento preocupante: ser viciado em games. Mas aí é questão de parcimônia e uso controlado assim como qualquer outro aspecto da vida.

Imagem

Um outro aspecto artístico dos games são as imagens. Alias os games em si são 99% o que se vê. Imagens profundas, realistas, detalhadas, efeitos de sombra, enfim tudo aquilo que você seria capaz de avaliar em termos de detalhes visuais em obras como animações, quadrinhos ou no cinema podem ser vistos num game. Destaque para games inspirados em obras de arte pré-existentes como Okami, cuja arte gráfica é semelhante aquelas pinturas tradicionais japonesas.

 

Som

O terceiro aspecto que gostaria de trazer a tona é o quesito som. Músicas de games se tornaram clássicas ao longo das gerações inspirando diversas formas de mídia. A indústria dos games faz uso extensivo de compositores talentosos cujas obras nada devem às músicas que servem de fundo em qualquer outra forma de arte como o cinema ou o teatro. Para quem não sabe, a música Baba-Yetu do coral Soweto Gospel é a música de abertura do game Civilization 4 foi a ganhadora do Grammy de melhor arranjo instrumental acompanhado de vocalistas. A Música nada mais é do que a oração do pai nosso cantada em Swahili e se me permitem minha opinião de leigo uma das mais belas músicas já produzidas EXCLUSIVAMENTE para um game. Se eu listasse cada música que eu gosto dos games e o porque me faltariam dedos para digitar tudo, mas gostaria de deixar aqui apenas três exemplos de verdadeiras obras que expressam “per se” o que quero dizer:

Segue a lista:

Super Smash Browl Meele:

Baba Yetu:

Under Heaven Destruction:

Os sons, vozes, uso de dubladores nos games são espetáculos a parte que, por si sók já os colocaria no mínimo em pé de igualdade com obras de animação. Quem joga os games da Blizzard reconhece automaticamente as vozes de nossos dubladores.

História

Games também possuem histórias rasas ou profundas, curtas ou longas assim como qualquer outra obra. Citando apenas um exemplo o MMORPG World of Warcraft possui uma história impressionante, assim como personagens dotados de um carisma tal que os mesmos inspiraram uma vasta literatura e um filme para 2015. God of War, Diablo, e tantos outros games possuem também histórias complexas que em nada deixam a desejar aos clássicos da literatura, alias, até inspiram escritores que produzem obras fantásticas relacionadas aos games.

Extras

O quinto ponto que quero tocar é o que eu chamo de extras. Existem games que trazem elementos extras que passam desapercebido se você não está por dentro de um determinado assunto. Estes extras vem em diversas formas, mas deixarei aqui uma lista de games e seus segredinhos para quem tiver curiosidade que busque:

Xenosaga: Baseada totalmente na doutrina do filósofo alemão Friedrich Nietzsche.

Chrono Trigger: Baseado em elementos bíblicos e na história do cristianismo. Esta obra simplesmente reuniu os melhores artistas de suas respectivas áreas:

Akira Toryama: pai e desenhista de Dragon Ball foi quem desenhou seus personagens. Alias, convenhamos que um parasita que consome mundos definitivamente é um inimigo de proporções bem próximas ao tipo de ameaça que Goku e sua turma enfrentaria.

Nobuo Uematso: compositor das músicas do game Final Fantasy.

Persona e Shin Megani Tensei: Baseado em Platão e na psicologia analítica de Jung. Alias persona também é uma palavra em latim para um tipo de máscara construída para ressoar a voz do ator.

Megaman X: A causa do surgimento dos Mavericks foi o fato do Dr. Cain não ter incluído as três leis da robótica na programação dos robôs. As três leis da robótica se originam nos contos de Isac Asimov, um dos maiores escritores de ficção científica do século 20. Elas serviam para evitar que os robôs se rebelassem contra os humanos e evitasse o “complexo de Frankenstein”, um termo que ele usa para o medo que a população poderia ter por causa da superioridade física e intelectual dos robôs.

 

Curiosidades relacionadas à produção dos games.

As curiosidades e as inspirações por traz da produção do game renderia muitos livros. Para falar de apenas um vamos pegar um game simples que todo mundo, mesmo que torce o nariz para os games, já o viu: Pacman.

1 – Pac Man se chamava Puck-Man e foi concebido por um insight do criador Toru Iwatani ao ver uma pizza que faltava um pedaço. Ele criou o game com a intensão de incluir também meninas no mundo dos games e fez um jogo baseado em sobremesas. Lembrando que por tradição, na cultura japonesa, somente as mulheres comem doce.

2 – Foi para os EUA com o nome Puck man e para evitar piadinha (Fuck-Man) teve seu nome mudado para Pacman.

3 – Posteriormente Pacman teve uma continuação chamada “Ms. Pacman” que trazia a primeira grande heroína da história dos games, a “Senhora Pacman”. Tinha 4 labirintos diferentes e se diferenciava fisicamente de Pacman por usar batom, um lacinho vermelho e uma pintinha fazendo alusão as pintinhas sexys das diversas pin-ups ao longo da história.

4 – Os 4 fantasmas tinham nomes e também possuíam um método de movimentação individual. Eles eram:

Clyde: O laranja. Era o amalucado que zanzava aleatoriamente no labirinto.

Blinky: O vermelho. Te persegue o tempo todo.

Pinky: O Rosa. Ele tentava se posicionar a cerca de 32 pixels de distância da boca de Pacman.

Inky: O Azul se posicionava a uma certa distância (não revelada por Iwatani) de Pinky.

Os quatro quase foram da mesma cor (vermelho) graças à decisão do chefe de Itawani que achava que muitas cores poderiam confundir os jogadores (oi?). Iwatani fez uma pesquisa de mercado com os playtesters e nenhum queria fantasmas da mesma cor.

5 – Na Bolsa de Ações norte-americana, Pac-Man virou sinônimo de empresas que se defendem de outras que querem tomar seu controle de forma hostil.

6 – Fez tanto sucesso no japão que as moedas de iene, usadas como fichas de fliperama, chegaram a sumir do mercado.

Enfim

Games são uma forma de arte e por todos estes motivos eu os considero assim. Mas deixo aqui, para quem quiser algumas opiniões de pessoas que “entendem da coisa” tirada de um artigo da revista Galileu.

Nick Montfort, professor de mídia digital no Massachusetts Institute of Technology (MIT)

Podemos querer dizer várias coisas com esta pergunta. Primeiro, os videogames podem ser vendidos por negociantes de arte, aparecer em galerias e museus e serem aceitos como parte do mundo artístico? Eles já estão: é só olhar para as criações de Cory Archangel, Mark Essen e Eddo Stern. Segundo, os games podem tocar em questões complexas com sensibilidade com diferentes perspectivas? Eles já fazem isso: veja o trabalho de Terry Cavanaugh, Jason Rohrer, Molleindustria e Tale of Ties, e games comerciais como Bully (Também chamado de Canis, Canem Edit) e Indigo Prophecy (Fahrenheit). Por fim, os jogos podem oferecer uma experiência estética que é particular à arte? De fato, eles já fazem isso: veja Rez, de Tetsuya Mizuguchi, um jogo dedicado a Kandinsky e o qual eu descobri e joguei pela primeira vez no Museu da Imagem em Movimento em Queens, Nova York. É uma boa fase para aqueles interessados nesta questão verem que os trabalhos já estão por aqui.

Denis Dutton, professor de filosofia na Universidade de Canterbury, Nova Zelândia, e autor de The Art Instinct (Arte e Instinto)

Muitos elementos artísticos são usados na criação dos videogames. Eu acho que é impossível experimentar as habilidades técnicas sutis e elegantes de Bioshock com algo menos que admiração pelo talento artístico dos criadores. Além disso, games oferecem enredos convincentes. Eles podem também introduzir uma outra personalidade à mistura: a do jogador. Mas em minhas experiências jogando – com Grand Theft Auto IV, por exemplo – eu descobri

que minha presença não colaborou em nada para fazer a experiência dramática mais profunda. Então, se Grand Teft Auto é um trabalho artístico, minha estúpida contribuição para ele foi danosa. Talvez eu precise de mais prática. Mesmo assim, não estou certo de que poderia aumentar a graça de metralhar gângster ao nível das melhores peças, romances e filmes. Considere Otello de Shakespeare. Por que eu imaginaria por um momento que ter a chance de interferir na peça poderia fazê-la melhorar? Um final feliz – Otello e Desdemona cantando um dueto de amor, comigo atrás tocando uma harpa – seria um melhoramento em Shakespeare? Videogames são uma boa diversão, mas por que precisam da validação de serem chamados de arte? Já não é divertido o suficiente?

Jaron Lanier, cientista da computação, artista e autor de “You are not a Gadget” (Você não é um gadget, sem edição em português)

Não há nenhum aspecto da vida humana que não possa ser chamado de arte. Arte acontece quando nós atingimos o maior suporte de nossos valores, quando vamos além de preocupações comerciais, ou sobre status e frieza, e atingimos em algum nível de significado que pode transcender os problemas que nós sabemos articular. Sim, ela [arte] pode acontecer em videogames, embora eu não ache que acontece com frequência. Mas com qual frequência livros e filmes atingem o nível de arte? Não é sempre, se formos honestos.

Jesse Schell, professor de tecnologia de entretenimento na Universidade Carnegie Mellon e CEO da Schell Games

Marcel Duchamp disse uma vez, “Cheguei a conclusão de que enquanto nem todos os artistas são jogadores de xadrez, todos os jogadores de xadrez são artistas”. Jogar e brincar sustentam um relacionamento interessante com a arte. Como a arte, brincar é experimental, criativo, flexível e imersivo. É feita por sua própria . E como arte, games podem nos desafiar e transformar. Então videogames podem ser arte? Eles certamente incorporam muitos elementos artísticos; pintura, arquitetura, música, escultura, atuação, escrita, animação e dança. Os jogos mais percebidos como arte tendem a ter qualidades em comum. São misteriosos, são mais sérios do que outros jogos; têm um sentido completo, holístico. Games assim são raridades, mas existem, e conforme a forma evolui, assim como o cinema, mais e mais irão aparecer.

Ian Bogost, designer de game, crítico, fundador da Persuasive Games e autor de “Newsgames” (MIT Press, 2010)

O século 20 celebrou como arte: um mictório, uma pintura de um quadrado colorido; poesia feita de palavras aleatoriamente sorteadas de um chapéu, uma platéia cortando a roupa de um artista, pintura industrial sobre tela, reproduções de publicidade, um telegrama afirmando que era o retrato do destinatário, uma barricada de barris de petróleo em Paris e imagens de TV ao vivo de uma estátua de Buddha. Para não acharmos que são exemplos bizarros, considere os artistas que os produziram: Marcel Duchamp, Piet Mondrian, Tristan Tzara, Yoko Ono, Jackson Pollock, Andy Warhol, Robert Rauschenberg, Christo e Jeanne-Claude, e Nam June Paik, respectivamente. Todos são conhecidos, seus status como artistas nunca foram questionados.

A Arte fez muita coisa na história humana, mas no século passado ela primeiramente tentava nos provocar, nos forçar a ver as coisas de maneira diferente. Então, podemos nos perguntar: “Como videogames estão mudando nossa ideia sobre arte?”. Se o propósito a arte é realmente nos forçar a ver alguma coisa que achávamos que conhecíamos de maneira sob uma nova luz, talvez o maior movimento dos games no mundo artístico tenha sido em propor a questão: “Game pode ser arte?”

John Sharp, arte historiador e professor de design interativo e desenvolvimento de games no Savannah College

Olhe além dos valores culturais presos aos videogames e à arte e você verá que existem muitas semelhanças entre eles: ambos envolvem a busca por prazer, nenhum é claramente utilitário, e são centralizadores de uma subcultura profundamente engajada. Mas há diferenças? Games requerem engajamento direto e o que podemos chamar de co-autoria entre designer e jogador. Tudo isso coloca a questão: por que nós estamos tão preocupados em dar aos games o status de arte. Estamos simplesmente tentando legitimá-los? Ser chamado de arte muda as características do videogame? Só quando respondermos estas perguntas poderemos progredir nesta discussão.

Tom Bissell, autor de “Extra Lives: Why video games matter” (Pantheon 2010) e se auto-descreve como viciado em videogame

Eu acho que “videogame pode ser arte?” é a pergunta errada. A questão certa é se artistas podem usar o meio game como um recurso de expressão criativa. Jogos usam enredo, imagens, personagens, ação e música, algumas vezes, tudo isso junto, para gerar emoção nos jogadores. Alguns games fazem isso bem, outros não. É possível que nenhum videogame será comparado a Hamlet, mas Hamlet também não vai lhe proporcionar o mesmo efeito de um jogo. Uma questão similar incomodou o cinema durante seus primeiros 50 anos. Os filmes se firmaram. Games também o farão.

Texto enviado por Rogério “Monge da Dungeon” em contribuição ao blog.