Existem muitas coisas que nos transportam para algum momento bom na infância. Seja o sabor de uma comida que você gosta muito, seja o cheiro da chuva. Seja aquele filme que você gastou a fita de tanto alugar na locadora, aquela música que tocava na rádio durante uma viagem em família ou um jogo de videogame.
Fato é que recentemente eu fui me aventurar por Devil’s Drizzle – ou, como será chamado nessa análise, CHUVA DO CAPETA – e alguma coisa nesse jogo me levou de volta pra sala da minha casa, quando morei com meus avós. O que é que despertou essa regressão? Bom, isso vamos discutir nessa análise. Portanto, pegue seu guarda-chuva e suas galochas, pois vem temporal de coisa boa à frente!
Raios, trovões e imaginação
Tudo começa quando assumimos o papel da Criança – aqui sem nome e gênero definido. Ela veste uma roupinha de sapo e está se preparando para brincar fora de casa. Ao tentar sair, sua mãe alerta que vem chuva por aí e que ele deve levar seu amigo Guarda-Chuva com ele. Guarda-Chuva possui a forma de um gato branco e laranja e é seu fiel companheiro nessa aventura fora das paredes de casa.
Ao sair, a Criança anda pelos arredores da cidade e acaba se deparando com uma placa indicando que há um bosque e que ali pode ser perigoso. A Criança então diz para dar meia-volta, mas com um pouquinho de persuasão, Guarda-Chuva consegue convencê-la a adentrar àquele sombrio lugar.
Próximo dali nosso personagem avista uma coisa grande voando no céu. Não sabendo o que é, segue pisando em poças de água até que um forte vento leva Guarda-Chuva de suas mãos. O que parece uma ser uma separação acaba virando uma missão: resgatar Guarda-Chuva. Vemos então um objeto caindo do céu. Ao aproximar-se, a Criança vê que é um velho amuleto com um raio gravado em seu centro.
O amuleto diz que escapou das garras do demônio Pazuzu e nos concede o poder de controlar raios. Em seguida, o próprio Pazuzu, em posse de Guarda-Chuva, aparece para tentar nos impedir e recuperar seu amuleto. E é aí que nossa aventura começa.
Chuva do Capeta possui uma jogabilidade bem similar ao de plataformas mais difíceis, como Celeste e Super Meat Boy. Mas apesar do desafio, ele está sempre puxando alguma referência de algum game. Não é incomum encontrar similaridades com os já citados. Em conversa que tive com o desenvolvedor, Filipe Acosta, ele me disse que “apesar de usar esses exemplos para conversar com um público mais jovem, sua principal inspiração para o game foram clássicos do Super Nintendo e Playstation, como Crash Bandicoot, Super Mario e Donkey Kong Country. Mas essas não são as únicas referências vistas aqui.
O game, como um bom jogo de plataforma, tem sua principal mecânica o pulo – com direito a pulo duplo – e podemos utilizar os raios para atacar, resolver enigmas e abrir caminhos. Além é claro da principal mecânica do jogo: iluminar o ambiente. Como o bosque onde se passa o jogo é escuro, você precisará usar com sabedoria e nos momentos certos o seu raio para iluminar o ambiente. Em certos momentos isso terá um custo.
O jogo possui uma interface amigável, em que você poderá contar o número de mortes durante a sua jornada, além de um contador de raios e um de moedas. Essas moedas serão o grande desafio: será que você é capaz de coletar todas? Eu confesso que falhei miseravelmente nessa missão, mas tudo bem! Ao final, elas liberam algumas coisas extras, como artes do game. Os textos também, apesar de contar uma história simples, tem um humor infantil bem original e que não parece forçado.
Uma experiência curta, mas desafiadora
Chuva do Capeta é um game que você pode facilmente terminar em umas 3 ou 4 horas, a depender da sua habilidade e afinidade com esse tipo de jogo. Aliás, acho que “facilmente terminar” é uma junção um pouco estranha aqui. Apesar de não muito longo, o game possui trechos que vão exigir mais de você, e confesso que em alguns eu tive uma experiência um pouco frustrante, visto que o número de mortes excedeu a minha habilidade em passar daquele trecho.
Não vou entrar em detalhes para não estragar a surpresa para ninguém, mas tenho certeza de que será um momento “inesquecível” para quem for jogar. Mas uma coisa que eu preciso ressaltar aqui é que o game tem sim problemas. Principalmente na sua mecânica principal de pulo. Não foram poucas as vezes que em um determinado trecho em que precisei atravessar uma cachoeira, o game não contabilizou o impacto do personagem na plataforma e me jogou buraco abaixo. Em outras, ao pegar um determinado item para conseguir uma ação extra no ar, o jogo simplesmente não me deixou executar a ação e eu não consegui avançar por umas 4 ou 5 tentativas.
Sobre a batalha com os chefes, eu achei interessante a forma como são enfrentados, e bastante interessante as variadas referências que o game faz com eles. Primeiro que não há propriamente uma barra de vida que deve ser zerada. Ao entrar em um combate, um medidor será posto logo abaixo da tela e tudo funciona como um cabo de guerra: ganha quem conseguir fazer o “puxão” do lado a seu favor. As lutas também são criativas, mas nada muito inovador. Como eu disse, ele presta uma grande homenagem aos videogames. E isso não é demérito nenhum.
Sentimento de infância
Apesar de alguns trechos me darem um siricotico de tão difíceis, alguma coisa nesse game conversou comigo lá da infância. Não sei se foi uma trilha sonora que vai desde uma música mais calminha e serena, com aquele clima de dia de chuva, ou se foram nas referências de Heavy Metal que vez ou outra o game adota – visto que eu era a criança que escutava Iron Maiden e Led Zeppelin por ter um pai roqueiro.
Tem um ar de inocência aqui. Inocência essa que com o andar do jogo meio que vai se esvaindo. A criança de Chuva do Capeta parece viver aquele período em que ainda quer brincar e ser criança, mas os eventos ao seu redor já começam a mostrar que o mundo não está para brincadeira e que ele pode ser cruel. Tão cruel quanto um demônio sumério.
Eu tenho certeza de que você, caro leitor, sente um pouco de saudades daquele tempo em que sua preocupação na vida era fazer o dever de casa. Que seus momentos de alegria eram assistir aos desenhos que passavam na TV e que brincar na rua, mesmo num dia de chuva, ainda eram divertidos. Enquanto eu jogava, eu sentia um pouco disso: dessa falta dessa infância, que até mesmo hoje em dia, em tempos de internet e de conteúdos que precisam mudar a cada 5 segundos, pouco se vê. Senti que apesar do pouquinho de tempo que passei com esse jogo, ele me deu tempo para aprender e refletir sobre brincar.
…E o saldo?
É difícil terminar essa análise depois de refletir. Mas acho que Chuva do Capeta – ou Devil’s Drizzle – foi uma das experiências mais “quentinho no coração” que eu tive recentemente. Para mim, é um privilégio poder ter jogado esse jogo e ter uma surpresa ao zerá-lo, como você pode ver logo abaixo na imagem:
Apesar de trechos que eu desgostei, e de um saldo de mais de 400 mortes, eu acho que vale a pena você dar uma conferida nesse jogo. É um projeto brasileiro que respira e expira alguns dos jogos que nos são familiares e tem aquele sentimento de nostalgia e de infância. Como um dia nublado, em frente a TV, torcendo para que a luz não acabe para que você possa jogar só mais um pouquinho. Então o cheiro da chuva vem forte. Uma Chuva do Capeta desce do céu e você é obrigado a parar.
Mas como é bom olhar da janela e deixar a imaginação tomar conta.




