Quando eu joguei Alan Wake original, foi meu primeiro game após montar meu PC na época: um Quad-Core com 8GB de memória e uma placa de vídeo NVIDIA 9500 GT. Eu lembro de ter me encantado com Bright Falls e com toda a atmosfera do jogo.
Eu achei muito impressionante como o jogo era divido em capítulos e que eles encerravam e iniciavam de uma maneira muito cinematográfica, com direito à “Anteriormente, em Alan Wake…” e um resumo até aquele ponto da história era apresentado, caso o jogador tivesse ficado por um bom tempo sem jogar.
Passados 13 anos desde seu lançamento, esse universo criado pela Remedy cresceu. Tivemos nesse intervalo de tempo Control, outro jogo fantástico e que amplia toda essa “mitologia burocrática” que a desenvolvedora finlandesa trouxe. Quantum Break é outro título que dá suas salpicadas nesse universo, mas que há uma longa discussão sobre seu papel – ou não – no RCU (o Remedy Connected Universe, ou Universo Conectado da Remedy).
E cá estamos novamente em Bright Falls novamente, treze anos depois do Evento de Mundo Alterado que prendeu Alan no Lugar Obscuro, tentando desvendar seus segredos os mistérios de Cauldron Lake.
Iniciamos nossa jornada com a narração de Alan Wake nos dizendo que nas histórias de terror, só existem dois tipos de personagens: os monstros e as vítimas. A narração, num tom sóbrio é muito bem conduzida pelo ator Matthew Porretta (sim, o nome do cara dá um grande trocadilho). Em seguida, assumimos o papel de um homem gordo que sai de Cauldron Lake. Ele está nu e parece desnorteado com o ocorrido.
Ao assumir o controle, nos é dado o objetivo de sair daquele local. O homem é ofegante e eventualmente é assombrado por visões de uma figura assombrosa de um Alan Wake repleto de ódio e maldade. Ao chegar em um determinado ponto, somos surpreendidos por pessoas com vestes longas e máscaras de cervo. Ali é conduzido um ritual e temos o coração arrancado do peito.
Após esse evento, assumimos o papel de Saga Anderson (vivida por Melanie Liburd), uma agente do FBI que junto de seu parceiro, Alex Casey – que curiosamente é vivido por Sam Lake, o presidente da Remedy e também possui o mesmo nome do protagonista das histórias de Wake – vão até Bright Falls investigar o caso. Ao chegarem ao local do crime, eles descobrem que a vítima é Robert Nightingale, um detetive que desapareceu há 13 anos na região e que conduzia uma investigação contra Wake, quando ambos sumiram.
Durante a investigação, Saga encontra uma página no bosque, nos arredores de Cauldron Lake. A página parece ter sido escrita por Wake e conta sobre a chegada da agente e seu parceiro na região. E é aqui que o jogo começa.
Saga é uma exímia detetive por um fator muito distinto: ela possui habilidades únicas para traçar perfis, já que ela possui uma habilidade que ela chama de “Lugar Mental”. O Lugar Mental é uma sala em que Saga pode organizar a investigação, coletando todas as evidências da investigação, traçando pontos e sendo uma das partes mais interessantes de todo o jogo.
O próprio acesso ao Lugar Mental já é, por si só, uma coisa impressionante. Já que ele pode ser acessado a qualquer momento do jogo, e a transição de um cenário para outro é praticamente em tempo real. Por isso, a exigência de um HD SSD (ou M.2 NVME), pois em outro caso, é impossível aspectos técnicos como esse serem reproduzidos.
Outra característica de Saga é que, devido a sua condição paranormal de se projetar nesse ambiente, ela nunca questionou as coisas absurdas. Ela mesmo diz “Eu só ainda não compreendo o que está acontecendo”. Em momento algum ela nega essa realidade, ela só ainda não a compreende no todo.
De volta à investigação, somos conduzidos até a cidade de Bright Falls. Lá, encontramos o xerife da cidade, Tim Breaker (vivido por Shawn Ashmore). Ele que fez o chamado para o FBI investigar porque Nightingale reapareceu após 13 anos e também conta a Saga e Alex Casey sobre “O Culto da Árvore”, uma espécie de lenda local que estaria provocando essas mortes misteriosas.
Eles partem até o necrotério da delegacia e enquanto conversam sobre uma página encontrada que poderia ser uma pista de onde Wake está, Tim desaparece e Nightingale retorna à vida e parte em perseguição contra Saga e Casey. Saga então decide ir em busca de respostas e retornar a Cauldron Lake na tentativa de parar Nightingale e juntar as peças desse quebra cabeça.
Uma das coisas que chama a atenção aqui é que a narrativa é muito bem conduzida. Por mais que seja uma história sobrenatural, cheia de fantasia e terror, Saga é muito convidativa para que você embarque nessa história. Ela é um ótimo fio condutor. A partir desse trecho, somos apresentados as mecânicas do jogo de fato, como andar, correr, desviar de ataques, usar a lanterna, mirar e atirar. Também podemos coletar itens durante o percurso e utilizar itens de cura para nos recuperarmos vida.
Uma coisa que constantemente me incomodou durante minha jogatina em Alan Wake 2 é que todos, ABSOLUTAMENTE TODOS os inimigos são verdadeiras espojas de bala. Mesmo que você acerte-os em pontos fracos, que causam mais dano, a única maneira de economizar munição aqui é acertando-os na cabeça – e isso não é garantia de que você não precisará gastar munição para derrubá-los.
Ao concluir todos os passos, Saga consegue acessar a Justaposição, uma espécie de fenda até o Lugar Obscuro e finalmente consegue enfrentar Nightingale. Após encerrar o embate, uma figura aparece na orla de Cauldron Lake: Alan Wake. Teria ele saído definitivamente do Lugar Obscuro? Ou tudo não passa de uma artimanha desse mal maior?
Após a “fuga” de Alan do Lugar Obscuro, podemos optar por qual história seguir. Enquanto Saga segue sendo uma investigação nos moldes de uma série policial estadunidense, Alan volta ao Lugar Obscuro e tenta sair de um loop na sua história, vivendo as coisas mais absurdas possíveis – inclusive, o ÁPICE do game está aqui, no Lugar Obscuro. Mas isso é segredo, então JOGUE E SURPREENDA-SE.
Apesar de parecerem, em primeiro momento, que as histórias não possuem tantas ligações diretas, Alan está constantemente interferindo na história de Saga, enquanto essa está tentando conter essa interferência através do Lugar Mental e seguir com a investigação contra o Culto da Árvore e sua ação na região de Bright Falls.
Talvez os melhores pontos da gameplay de Alan sejam suas participações no Talk-Show “In Between with Mr. Door”, com o personagem Warlin Door (interpretado por David Harewood) – que também abre margem para diversas teorias e divagações sobre o seu papel na história. Nesses trechos, a Remedy dá um show de narrativa transmídia, mesclando live action com gameplay.
Além disso, Alan possui duas novas ferramentas: uma lanterna capaz de absorver a luz de pontos específicos, transformando IMEDIATAMENTE o ambiente, e a criação de cenas. Esta segunda é capaz de transformar todo um espaço para que ele possa desenvolver a história e moldar o mundo ao seu redor. Esse talvez é um dos aspectos mais interessantes do jogo e um trabalho primoroso da Northlight – a engine do game -, pois tudo muda em tempo real, de maneira imediata, apenas selecionando a cena a ser escrita naquele local.
Outra coisa interessante da jogatina de Alan são seus encontros com Ahti (vivido pelo ator Martti Suosalo), o faxineiro que encontramos originalmente em Control, e com Tim Breaker, que está conduzindo uma investigação sobre quem é – ou o que é – Warlin Door. Aqui, fica ainda mais claro que Ahti não é alguém, mas é algo que ainda não compreendemos em sua totalidade, visto que ele possui interações tanto dentro como fora do Lugar Obscuro – e é responsável por uma das melhores trilhas sonoras do game.
Já Saga continua sua investigação sobre os casos de Cauldron Lake, mas agora tem uma nova peça para encaixar no quebra-cabeças: Alan Wake. O grande problema é que com a “saída” de Wake do Lugar Obscuro, a história do mundo real está se moldando a sua escrita, e isso começa a afetar a todos, incluindo Saga, que agora se vê numa jornada para impedir que essa história se concretize.
O que eu acho genial em Alan Wake 2 – e em todo o Remedyverso como um todo – é que as manifestações paranormais possuem algum tipo de ligação com a arte. Desde o primeiro jogo, a gente percebe que o Lugar Obscuro necessita de alguma intervenção artística para se manifestar. Primeiro foi com Thomas Zane (interpretado por Ilkka Villi, que também vive Alan Wake), depois com Alan Wake. Há outras manifestações através da arte, como as histórias dos astros do rock Old Gods of Asgard, que aqui tem um papel crucial para todo o desenrolar da trama.
Mas o ponto é que Alan Wake 2 é, sobretudo, um jogo sobre a criação artística e sobre alguns problemas desse processo criativo. E aqui eu gostaria de fazer um parêntese sobre uma interpretação que tive enquanto jogava e refletia sobre esse universo: Tudo parece ser uma grande alegoria sobre os problemas que artistas enfrentam em seu processo criativo.
Eu vejo o Lugar Obscuro como uma alusão à depressão e a angústia que o artista enfrenta ao se deparar com os bloqueios criativos. E a sensação de cobrança e de se forçar a fazer algo de maneira contínua e sem filtros, me parece um alerta. Ainda mais quando retomamos o que levou Alan e sua esposa, Alice, a ir até Bright Falls no primeiro game e todo o desenrolar da história ali.
O mesmo aconteceu com os Old Gods of Asgard, que usavam a água do lago para preparar uma bebida que “ajudava no processo criativo” das suas composições.
Ainda falando sobre música, creio que Alan Wake 2 seja uma das obras mais completas quando se trata das mais variadas expressões artísticas. A trilha sonora foi inteiramente composta para o game, e traz velhos conhecidos como a banda “Poets of the Fall”, que também vive os personagens do grupo Old Gods of Asgard. A cantora Poe também está de volta à trilha sonora, embalando os finais de capítulos com seu jazz rock, retomando pontos da história.
Como já dito anteriormente, o game mescla também momentos em live action, intensificando toda a sua aura estranha, mas evocando mais um fragmento de arte encarnado na linguagem cinematográfica. Eu recomendo que, em dado trecho, você apenas largue o controle e aproveite a sessão. Certeza que você não vai se arrepender dessa experiência transmídia.
No fim, Alan Wake 2 não é apenas um jogo sobre um escritor em fuga de uma história de terror fantástica, mas é sobre o cuidado no processo criativo, e como nos vemos forçados em um mundo cada vez sedento por mais e mais, até a exaustão.
Outra discussão que acho interessante, e que quero propor mais para frente, é sobre o que de fato é a arte e se ela pode ser reproduzida de maneira artificial. Ou até mesmo se a imposição é uma expressão artística também.
O jogo abre com a frase de Alan nos dizendo que “histórias de terror só possuem dois tipos de personagens: monstros e vítimas”. Confesso que eu não tinha entendido essa frase até tomar o primeiro grande susto da trama causado por um jumpscare intencionalmente colocado para manter o jogador em alerta. O jogo é o monstro e nós, jogadores, as vítimas.
Isso é uma coisa que o game faz bem: criar o clima de tensão. A cena perfeita, o clímax. Mas dentro desses intervalos, não são incomuns sermos surpreendidos por jumpscares na tela. Esse talvez seja o ponto alto e ao mesmo tempo baixo do jogo.
Em dados momentos, ele banaliza tanto esse recurso que acaba se tornando algo já esperado por quem está jogando. Porém, em outros, ele funciona tão bem que não é incomum você se pegar pensando “está tudo muito tranquilo. Deve vir aí um susto DO NADA”.
Apesar da banalização desse recurso, ele funciona. E funciona ainda melhor em um certo trecho de uma certa personagem. Mas para descobrir, você vai precisar ir mais fundo nessa história.
Quando eu terminei Alan Wake 2, eu fiquei com aquela sensação de vazio. Eu quero mais desse universo que a Remedy criou e quero saber mais sobre esse mundo em que o racional e o fantástico se misturam de maneira harmoniosa, para criar um jogo tão interessante e tão bem amarrado.
Felizmente, a Remedy estava disposta a entregar mais desse universo para nós, antes de seus próximos grandes projetos figurarem. Duas DLCs chegaram para o game, sendo elas Night Springs, que divide o gameplay entre três personagens: Tim Breaker, Rose Marigold (a garçonete do Oh Deer Diner, interpretada por Jessica Preddy) e Jesse Faden (a Diretora de “Control”, vivida por Courtney Hope) e os transporta para episódios do seriado fictício que existe dentro da série; e “A Casa do Lago”.
Confesso que essa segunda me chamou mais a atenção por trazer novamente o DFC (Departamento Federal de Controle) de volta ao protagonismo. Dessa vez, assumimos o papel da agente Kiran Estevez (interpretada por Janina Gavankar), que também aparece na história principal de maneira breve. No entanto, é possível pausar seu progresso durante a campanha para jogar a DLC, complementando a história de maneira linear. Isso também poderá trazer algumas surpresas que não aparecem, caso você resolva jogar a expansão após a campanha principal.
Na trama, o DFC recebe um alerta de atividade na região de Cauldron Lake. Estevez e sua equipe chegam ao local para verificar o que ocorreu na estação conhecida como “A Casa do Lago”, que observa as atividades paranormais da região. Porém, ao não ter resposta do casal de pesquisadores Marmout, responsáveis pelo complexo, ela decide investigar o que aconteceu e o porque desse alerta.
A jogabilidade aqui segue a mesmo padrão vista no game base. Estevez possui as mesmas habilidades que Saga e Alan, então não se preocupe com reaprender muita coisa. A grande diferença está no arsenal de armas, uma vez que você contará com uma arma feita das Pedras Negras – quem jogou Control, deve se lembrar um pouco melhor desse tipo de mineral -, para abater os novos inimigos presentes na DLC.
Uma coisa bem interessante sobre “A Casa do Lago” é que ele é a junção perfeita de Alan Wake com Control. Isso porque voltamos a um ambiente cinza e gélido de uma repartição pública e burocrática, mas com toda a loucura insana influenciada por Alan Wake. Aqui, descobrimos que um dos pacientes do psiquiatra Emil Hartman (que “tratou” de Alan no primeiro jogo), era também um parautilitarista que podia ver passado, presente e futuro em suas pinturas, feito de cobaia pelo DFC na instalação.
Eu não costumo dar spoilers nas análises que escrevo, mas nesse caso aqui eu vou abrir uma exceção pelo bem da discussão que a DLC traz. Assim como interpreto que o jogo base é sobre tudo o que permeia o processo criativo de um artista, seja ele da música, cinema ou literatura, “A Casa do Lago” abre uma margem para discutir o limite do que é arte e do que é uma reprodução desta.
Em dado momento, somos levados até um determinado andar do complexo em que o DFC está tentando reproduzir o tipo de escrita de Alan Wake. Lá, diversas máquinas de escrever foram instaladas com digitadores automáticos, enquanto um sistema alimenta essas máquinas com as principais características do que tornam a obra de Alan autêntica e única. Me peguei pensando em quanto esse debate é atual e conversa tanto com a proposta do jogo, quanto o debate sobre o uso de inteligências artificiais para gerar imagens, músicas, vídeos, etc., utilizando fragmentos de artes criadas por artistas reais.
O que é arte, afinal de contas? E uma reprodução tem a mesma efetividade, a mesma carga, que uma peça original? Quais são os custos para se fazer arte? Essas são apenas algumas perguntas que essa DLC propõe.
Eu mal vejo a hora de poder retornar ao universo criado pela Remedy, seja em Control 2, seja no remake de Max Payne, seja em um próximo Alan Wake. O trabalho que a Remedy executou aqui é algo impecável e que prova que bons jogos não precisam necessariamente de uma ação desenfreada, momentos épicos e visuais ultrarrealistas, mas sim saber conduzir o jogador em uma história que prenda, amarre pontas e queira te conduzir, dando muitas perguntas e algumas respostas.
E isso, a Remedy sabe fazer muito bem. Espero que até lá eu consiga ter um computador decente, que me proporcione aproveitar todas essas histórias como aconteceu lá em 2010 com Alan Wake, e treze anos depois, com Alan Wake 2.
Afinal, esse universo não é um simples lago. É um oceano de reflexões e temas que merecem serem lidos, assistidos, ouvidos e jogados com máxima atenção e qualidade. Uma espiral de arte completa.
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