Lançado originalmente em 2006 para o Game Boy Advanced, Mother 3 passou muito tempo como um jogo exclusivo para o mercado japonês. As traduções em inglês encontradas em ROMs espalhadas pela internet, feita por fãs, em uma tentativa de espalhar o game, foram o principal meio do jogo “chegar” ao ocidente antes de ser relançado para o Virtual Console do WiiU, em 2016.
Antes mesmo do debate “política nos videogames” se tornar algo comum nas redes sociais, Mother 3 abordava como o fascismo se instala e corrompe as pessoas de uma maneira bastante lúdica.
A trama se passa na vila de Tazmily, aldeia que aparentemente tem como foco a agricultura e a pecuária. Uma tradicional vila rural, como o que encontramos nos rincões do mundo à fora. Com uma população bastante receptiva e caridosa uns com os outros, tudo gira em torno do rudimentar. Os moradores dali não possuem tecnologia avançada ou mesmo conhecem o conceito de dinheiro. Como o próprio jogo trata de exemplificar, “os fortes ajudam os fracos, e os que tem, compartilham com os que não tem”.
Através dessa mensagem de compaixão com o próximo, percebe-se que não há qualquer coisa que classifique os moradores de Tazmily: ali, não há classes sociais abastadas e outras à beira da miséria. Não existem hierarquias e todos se orgulham do seu trabalho e do seu compromisso com a aldeia e com seus moradores. Há um senso de comunidade latente ali. Tazmily é uma aldeia totalmente fundada nos preceitos comunistas.
A paz é perturbada após a chegada do Exército Pigmask, os antagonistas do jogo. Aqui, vale ressaltas que a escolha por essa retratação antagônica não é meramente imposta para fazer soar com o nome do vilão, Porky Minch. Há um significado mais profundo e diretamente ligado com a mensagem do jogo. O termo “porco” é comumente e historicamente dado aos fascistas pelos grupos de esquerda, que se opõe a maneira de pensar e agir. O termo “porco fascista” tem suas origens nos anos 30, em que os norte-americanos usavam o termo “fascista pig” não apenas para ações políticas, mas também para insultar ações truculentas da polícia e militares.
A utilização estética de um grupo militarizado tido como porcos implica na maneira como o fascismo entra em ação: tentando se infiltrar na sociedade de maneira sorrateira, apelando para a classe trabalhadora e se colocando como uma alternativa contra um “inimigo comum”. A porta de entrada para que as coisas comecem a mudar na pacata aldeia é introduzida com o personagem Fassad, um mercador ambulante que mostra aos moradores do vilarejo os conceitos de tecnologia e dinheiro, além do que ele chama de “Caixa Feliz”, uma espécie de dispositivo que é introduzido a população e que tem por objetivo, corrompe-la para que a infraestrutura do Exército Pigmask seja instaurada no lugar. Através desse dispositivo, o Exército consegue fazer com que moradores se voltem uns contra os outros e introduzir um senso hierárquico dentro daquela comunidade – algo que até aquele momento, era inexistente.
Mother 3 tem como tema central a mudança. A aldeia de Tazmily pode ser caracterizada como um personagem em constante mudança desde o início do jogo, até o seu fim. Estradas antes de terra, receberam pavimento; a pousada do lugar, antes um local de paz e sossego e gratuita, se torna um luxuoso hotel com altas taxas de estadia; policiais do Exército Pigmask vagam pelas ruas, repreendendo e assediando moradores por manterem seu estilo de vida antes da chegada deles; uma nova classe alta autoritária se estabelece os habitantes de Tazmily são afastados de suas atividades para trabalharem em fábricas, em um trabalho que não exige esforço e nem pensamento, apenas a produção de suprimentos para o Exército, além de uma clara mudança comportamental entre moradores que criaram uma disputa moral por conta de suas aquisições e que brigam constantemente em prol de seus bens.
Lucas, o protagonista do jogo, passa a ser odiado por todos os habitantes por não ceder ao novo estilo de vida imposto pelo Exército Pigmask e sua família não abrir mão da propriedade. Aqui, o protagonista é retratado como um líder revolucionário que se une a outros personagens marginalizados, como Duster, um ladrão com problemas de mobilidade por ter uma deficiência em uma das pernas, e Kumatora, uma menina criada por um grupo de indivíduos de gênero desconhecido e que, por algumas vezes, é destacada como uma “tom-boy” – meninas que possuem traços masculinizados.
A união destes indivíduos tidos como à margem dessa nova sociedade e que não se enquadram nos moldes fascistas de conservação de um passado mítico – e aqui vale destacar que o progresso trazido pelo Exército Pigmask está diretamente ligado aos eventos passados do universo de Mother 3 -, ou a criação de um inimigo comum para a comunidade – como vemos na vida real, com a taxação de que o grande mal do mundo são as “forças comunistas infiltradas na sociedade, que a corrompem” – não são sem propósito.
Isso reforça a intenção do jogo em mostrar como esse sistema totalitário e repressivo age na sociedade, prometendo progresso às custas da precarização da mão de obra e da implantação da política do medo constante. Os que se opõe a isso, serão severamente punidos, como uma forma de mitigar revoltas, mantendo o status quo daquele meio de vida.
Mother 3 é um dos principais títulos do início do século XXI a abordar temas como o anticapitalismo e o combate ao fascismo, algo que permeia o debate dentro da sociedade globalizada em que estamos inseridos atualmente, mas que ainda encontra resistência por uma parcela do público gamer. Além disso, o jogo ainda mostra de forma bastante lúdica, como a vida das pessoas é impactada e destruída para a obtenção do lucro egoísta e desenfreado de uma classe burguesa e classista – discriminatória com base na classe social – que se instala no mundo como “uma força além da compreensão”.
Por isso, Mother 3 é um título tão importe para jogadores e jogadores que simpatizam e acreditam nas pautas progressistas.
REFERÊNCIAS:
Earthbound Wikia – S/ autor definido
The Anti-Fascism in Mother 3 – The Gaudie – Grant Baxter
Por que Porco? – Uma história de 50 anos, assumida há 33 – Mauro Beting
Como funciona o Fascimo? – Jason Stanley
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