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Hell is Us – Análise (PC)

Quando eu vi Hell is Us pela primeira vez, em um trailer em algum evento de games, eu pensei “parece um Death Stranding, mas focado no combate”. Por sorte, ao concluir o game, percebi que eu estava redondamente enganado. Hell is Us é um game diferente, com uma proposta diferente – mas nem tanto – e que vai te levar a pensar. E quando eu digo pensar, é pensar em várias coisas.

 

Desenvolvido pelo estúdio canadense Rogue Factor e distribuído pela francesa Nacon, Hell is Us é um game que me ganhou quando experimentei a demo dele no Playstation 5. As duas primeiras horas do jogo foram o bastante para me indicar o quão interessante ele é, e quais seriam as abordagens que ele teria. Mas o que de tão especial ele tem? É o que falarei nessa análise.

 

Atenção e foco são as palavras de ordem

 

O jogo tem início mostrando o protagonista, Remi, capturado por algum tipo de departamento de segurança do país fictício de Hadea. Remi está diante de um interrogador que não parece alguém 100% humano. Ele é questionado como conseguiu adentrar o território do país, uma vez que “é mais difícil entrar do que sair de Hadea”.

 

Ligado a um polígrafo e sob efeito de um soro da verdade, Remi então começa a narrar os fatos que o trouxeram de volta ao país. E é aí que o jogo começa. O jogo possui uma premissa simples, mas que com o passar do tempo, vai expandindo mais e mais sua história.

 

Porém, duas coisas já ficam claras antes mesmo do jogo iniciar: aqui, não teremos o auxílio de um GPS ou um mapa das áreas que visitamos e também não contaremos com nenhum tipo de auxílio indicando para onde devemos ir. O jogador terá que prestar a atenção quando e onde os NPCs darão informações sobre localizações e utilizar a bússola para poder navegar pelos mapas.

 

O jogo possui uma variedade ampla de ambientes – Imagem: Reprodução.

 

A primeira coisa que salta aos olhos é o trabalho de ambientação que a Rogue Factor criou em Hell is Us. Cada ambiente é muito variado e com uma riqueza de detalhes que vai instigar o jogador a querer investigar o que de fato está acontecendo. O primeiro NPC que encontramos é um fazendeiro que perdeu quase tudo na guerra. Entre as perdas, estão alguns de seus filhos.

Aqui, já temos uma ideia das principais mecânicas do jogo: falar com NPCs e pedir mais informações sobre aquele universo – uma árvore de opções fixas que fica à direita, e algumas informações sobre o enredo principal, que vão te ajudar a avançar na história, à esquerda. As opções fixas são apenas à título de construção de mundo, e cabe a você querer saber mais sobre esse universo e seus conflitos. Eles são como o ponto de vista dos personagens sobre os fatos em Hadea.

 

Após concluirmos com o fazendeiro, avançamos e chegamos até um posto em que um soldado ferido diz que ele e seu time foram atacados numa ruína. Ele pede que você recupere a chave do APC – uma espécie de caminhão militar – e um kit médico para tratar suas feridas. Feito isso, temos acesso às ruínas e aqui somos apresentados aos principais inimigos do game, além de receber os equipamentos necessários para investigar o que está acontecendo e o que são essas criaturas sem rosto em meio à guerra entre nações.

 

Mas é souls-like ou não é?

 

Quando somos apresentados ao combate do game, há algumas coisas a se levar em consideração: primeiro, é que este não é um game souls-like, apesar de ele possuir sim alguns elementos aqui e ali. O combate dele funciona da seguinte maneira: Nós possuímos armas capazes de dar conta das criaturas, chamadas de armas límbicas. Essas armas podem conter cinco propriedades: Neutra, Fúria, Terror, Luto e Êxtase.

Cada uma delas representa um aspecto que casa muito bem com o conflito pelo qual o país está passando há tantos anos. E não apenas suas armas podem adquirir essas propriedades, mas alguns inimigos manifestam esses sentimentos quase que de uma forma física.

O game possui um arsenal bastante variado. Espadas curtas, longas, lanças, alabardas, machados de uma e duas mãos. Todas elas podem ser imbuídas com alguma propriedade límbica e serem vinculadas a glifos que você encontra pelo jogo, que dão alguns tipos de magias.

 

Nós também contamos com um drone capaz de ler inscrições em um idioma antigo, mas que nos auxiliam em combate, distraindo inimigos enquanto lidamos com outros mais poderosos. Um fator que determina que Hell is Us não é um souls-like é a quantidade de inimigos em tela. Não é incomum, porém não é frequente, você ter que lidar com uma horda de mais de 10 inimigos em tela. Claro, tudo vai depender da sua build e como você se preparou para aquele momento.

Apesar de um combate que lembra jogos souls-like, o game vai além disso. – Imagem: Reprodução

 

Há também uma diferença na forma como reagimos a ataques de inimigos: se você toma um dano, tanto a sua barra de HP como a Stamina serão reduzidas. Para recuperá-las, após um ataque – ou uma sequência de ataques – você é capaz de juntar energia límbica e convertê-la em vida e stamina, pressionando o botão RB / R1 no momento certo. Caso falhe, você perde a recuperação. Há itens consumíveis que vão te ajudar em casos mais apertados. Mas use com sabedoria, pois esses itens são escassos e não há a possibilidade de compra deles.

 

Hell is Us possui um ritmo de combate cadenciado, mas não pense que os inimigos serão tão fáceis assim. Ele possui trechos mais para o final do game que exigirão que você domine tanto ritmo de combate quanto o uso de itens e a sua recuperação. Portanto, treine e memorize essa “dança”, pois será muito útil mais para frente.

 

Apesar do combate ser divertido, ele acaba caindo em um loop de repetição que pode decepcionar um pouco. Porém, o jogo conta com um outro ponto fundamental que o afasta completamente de qualquer souls-like: puzzles!

Puzzles são o ponto alto do game, instigando a investigação e interpretação – Imagem: Reprodução.

Sim, o jogo é RECHEADO de puzzles no melhor estilo “buscação”, em que você encontra um item numa área, que vai servir em outro momento, em outra área. Para saber onde usá-lo, você precisa conversar com um NPC, que lhe dará um código de um cofre, que dentro terá uma fita cassete e que terão as informações que você precisa para usar aquele item. Portanto fique atento para não perder nada!

 

“Ah mas e se eu perder alguma coisa?”. O inventário do game, que aqui é uma espécie de tablet, registra algumas coisas importantes que podem te dar uma direção. Porém, o jogo é feito pensando que você se dedicará em ler e ouvir tudo e todos. Por isso eu recomendo: jogue Hell is Us sem um outro game em paralelo, para não atrapalhar seu foco.

 

Um jogo que não pega na sua mão

 

Talvez o que mais tenha me cativado nesse game é justamente a exploração. Ele não é um jogo poluído visualmente para que você se guie. Ele acredita na inteligência do jogador e na curiosidade que vai despertar em você.

 

O mapa do país é dividido em várias áreas que possuem uma espécie de fase. Ali, você terá uma série de eventos que contribuem para o andamento da história, mas que também desenvolvem os personagens secundários. Um exemplo é a primeira área que você visita após conseguir seus equipamentos e seu veículo. O local tornou-se um acampamento militar e ainda é possível encontrar antigos moradores escondidos.

 

Esses moradores terão algumas quests para você, aqui chamadas de Boas Ações. Essas boas ações, futuramente, renderão algumas recompensas para que você possa evoluir o arsenal de Remi e itens necessários para cumprir outras tarefas. E aqui vai um pequeno pedido desse que escreve: FAÇAM A QUEST DO BEBÊ. POR FAVOR.

Itens podem incluir informações importantes para avançar. – Imagem: Reprodução

 

Uma dessas tarefas é o fechamento de Loops Temporais, grandes esferas de energias espalhadas pelos mapas que registram momentos de grande sofrimento, ódio, dor e desespero daquela região. Fechá-los, elimina as ameaças daquela região, e contam para o seu progresso secundário.

 

Há também uma particularidade interessante nesse jogo: os inimigos só retornam ao mapa se você sair para visitar uma outra região e retornar. Porém, caso você tenha fechado um loop temporal, aquela área fica livre das ameaças. Vai do seu interesse procurar saber como eliminá-las por completo.

 

Outra particularidade é que o jogo espalha pontos de salvamento pelo mapa, indicando que você deve salvar naquele trecho, pois caso você morra, você irá retornar do último ponto onde salvou. Os inimigos derrotados também não retornam caso você morra. Isso dá uma falsa sensação de segurança. Jogando, talvez você vai entender o que eu quero dizer.

 

Uma trilha sonora que brilha com pouco

 

É sempre difícil dizer qual aspecto do jogo mais me pegou. Hell is Us é uma grata surpresa e eu entendo que devido a uma janela de lançamento junto com outros grandes títulos, como Hollow Knight: Silksong, o game demore a cativar o público. Porém, um aspecto ainda ecoa mentalmente: a sua trilha sonora.

 

O game possui uma trilha bem curiosa que deixa tudo ainda mais misterioso e denso. Parece uma daquelas trilhas que ficam entre o que Hans Zimmer faz em Interstellar, e o que Vangelis fez em Blade Runner. Uma coisa sintetizada, mas ao mesmo tempo que conversa e entoa o ambiente que estamos explorando.

 

Não é incomum eu me pegar rememorando a trilha de abertura, ou de algumas passagens do jogo. Isso mostra que a trilha não precisa de nada elaborado ou complexo para impactar. E isso é uma verdadeira obra de arte aos ouvidos.

 

Conflitos reais que refletem na ficção

Em Hadea há duas etnias distintas: os palomitas e os sabinianos. Existe um conflito religioso entre esses dois grupos que acabou desencadeando uma guerra que perdura há alguns anos. E é aqui, nesse ponto que o jogo nos leva a refletir bastante sobre a atual situação do nosso mundo.

Por vezes, eu me peguei pensando até que ponto os desenvolvedores usaram o genocídio palestino para retratar esse conflito do game. Não é incomum você chegar em povoados sabinianos com pixações que os desumanizam e mostram o que as forças militares são capazes. Talvez – e só talvez – este seja um ótimo game para refletir sobre o papel da mídia, dos veículos de comunicação e também de algumas alas governamentais sobre como um conflito pode não ser bem como ditam esses órgãos.

 

Há diversos trechos que você verá corpos espalhados pelo chão, roupas de crianças, mulheres, pessoas que foram executadas em paredões de fuzilamento e que foram mortas apenas pelo fato de existirem. O jogo não perdoa visualmente quando o assunto é mostrar a desumanização da guerra e como existem pessoas dispostas a matar friamente.

 

O jogo não tem medo de tocar em temas delicados, como a guerra e o controle midiático – Imagem: Reprodução

 

Por mais que tenhamos jogos que retratam os horrores de uma guerra, Hell is Us ressoou mais comigo pelo seu pano de fundo, e porque ele conseguiu fazer com que eu tivesse empatia por aquelas pessoas que encontrei em meu caminho que só queriam uma chance de sobreviver e serem enxergadas como seres humanos.

E esta é a grande pergunta do game: afinal, quem são os verdadeiros monstros aqui?

 

Sobre bugs e performance

 

Apesar de conseguir jogar o jogo antes do lançamento, eu não tive nenhum bug comprometedor. Apenas em um determinado trecho mais para o final, um inimigo ficou fora da zona de combate e todo o dano que eu deveria causar nele não era contabilizado, pois ele “desligou”.

 

Houve também casos em que a IA dos inimigos simplesmente não ativou quando me aproximei, o que me deu uma certa vantagem na progressão.

Sobre performance, eu possuo um PC bem modesto: um Core i5 9400F, 32GB de RAM DDR4, um SSD M.2 de 512 GB e uma NVIDIA RTX 2070 de 8GB de VRAM. O jogo rodou relativamente bem com as configurações altas e com DLSS ligado. Obviamente em alguns trechos tiveram algumas quedas de frames, mas nada que fosse comprometedor ao ponto de piorar a minha experiência com ele.

 

Porém, quando eu joguei a demo dele, no PS5, nota-se que o hardware do console parece rodar ele com certa folga. Isso porque o jogo possui bastante efeito de partículas, líquidos e vegetação. Portanto, confira se suas configurações de PC atendem aos requisitos do jogo.

 

E o saldo…?

Hell is Us é uma das melhores surpresas deste ano de 2025, recheado de bons lançamentos. Apesar do game não ser um passeio no parque quando se trata de navegabilidade, ele possui uma história interessante e um ar de mistério que fazia muito tempo que não me deparava em um jogo.

 

Por vezes, pensei nele com uma equivalência de um Zelda da vida. Conversas, informações, coleta de itens, resolução de quebra-cabeças, combate fluído e muita exploração.

 

Se você gosta desse tipo de jogo, Hell is Us é o jogo perfeito para você. Ele instiga o que tem de melhor em você: inteligência, lógica, racionalidade e compaixão, mas também reflete alguns dos piores aspectos do ser humano: a guerra, a intolerância e a violência sádica. Será que o inferno está realmente em nós?

Esta cópia de Hell is Us foi gentilmente cedida pela MKTR Agency para a produção desta análise.

Vinícius Vidal Rosa

Ex-técnico em informática, jornalista formado e apaixonado por games e tecnologia. Faz do seu tempo livre, uma maneira de levar informação e falar sobre o que gosta.

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Vinícius Vidal Rosa

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